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Vocativo: uma unidade à parte
Desligado da estrutura argumental da oração e desta separado por curva de entoação exclamativa, o vocativo cumpre uma função apelativa de 2ª pessoa, pois, por seu intermédio, chamamos ou pomos em evidência a pessoa ou coisa a que nos dirigimos:
José, vem cá!
Tu, meu irmão, precisas estudar!
Felicidade, onde te escondes?
Algumas vezes vem precedido de ó, que a tradição gramatical inclui entre as interjeicões, pela sua correspondência material, mas que, na realidade, pode ser considerado um morfema de vocativo, dada a característica entonacional que a diferencia das interjeições propriamente ditas.
"Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?" [CAv.1, 141]
Estes exemplos nos põem diante de algumas particularidades que envolvem o vocativo. Pelo desligamento da estrutura argumental da oração, constitui, por si só, a rigor, uma frase exclamativa à parte ou um fragmento de oração, à semelhança das interjeições. Por outro lado, como no caso de Tu, meu irmão, precisas estudar!, às vezes, se aproxima do aposto explicativo, pela razão que vai constituir a particularidade seguinte. Por fim, o vocativo, na função apelativa, está ligado ao imperativo ou conteúdo volitivo da forma verbal, já que, em se tratando de ordem ou manifestação de desejo endereçada à pessoa com quem falamos ou a quem nos dirigimos, presente quase sempre, não há necessidade de marcar gramaticalmente o sujeito. Quando surge a necessidade de explicitá-lo, por algum motivo, aludimos a esse sujeito em forma de vocativo.
Assim é que em:
"Deixa-me! Deixa-me a vagar perdida...
Tu!- parte! volve para Os lares teus". [CAv.1, 191],
tunão é o sujeito de parte, e sim vocativo, "espécie de aposição à ideia do sujeito, contida no imperativo" [HCv.2, 197 n.47]. Ocorre o mesmo com o substantivo poeta em:
Vai, Poeta... (Id., ibid.: 116)
Pelos exemplos aduzidos até aqui, vê-se que o vocativo pode ser representado por substantivo ou pronome, podendo admitir a presença de expansões (p. ex., de adjuntos adnominais, de orações adjectivas):
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
"Senhor Deus, que após a noite
Mandas a luz do arrebol,
Que vestes a esfarrapada
Com o manto rico do sol". [CAv. 1, 88]
Na correspondência epistolar, o vocativo vem separado do resto do enunciado por vírgula, enquanto em textos de outra natureza costuma aparecer o emprego dos dois pontos (:) ou do ponto de exclamação (!)
BECHARA, E. (1999)Moderna Gramática Portuguesa, Ed. Lucerna, Rio de Janeiro, (pp.460-461).
Pronome e dêixis
Pronome - é a classe de palavras categoremáticas que reúne unidades em número limitado e que se refere a um significado léxico pela situação ou por outras palavras do contexto.
De modo geral esta referência é feita a um objecto substantivo considerando-o apenas como pessoa localizada do discurso.
Pessoas do discurso - São duas as pessoas determinadas do discurso: 1ªeu (a pessoa correspondente ao falante) e 2ª tu (correspondente ao ouvinte)*.
A 3ª pessoa, indeterminada, aponta para outra pessoa em relação aos participantes da relação comunicativa.
Do ponto de vista semântico, os pronomes estão caracterizados porque indicam dêixis ("o apontar para"), isto é, estão habilitados, como verdadeiros gestos verbais, como indicadores, determinados ou indeterminados, ou de uma dêixis contextual a um elemento inserido no contexto, como é o caso, por exemplo, dos pronomes relativos, ou de uma dêixis ad oculos, que aponta ou indica um elemento presente ao falante. A dêixis será anafórica se aponta para um elemento já enunciado ou concebido, ou catafórica, se o elemento ainda não foi enunciado ou não está presente no discurso.*
A dêixis também envolve, como vimos, o lugar da 3ª pessoa no discurso, só que de maneira negativa, em relação a eu e tu, que tem localização definida.
Por isso é que línguas há, como o português, que podem fazer, quando isto se impõe, a distinção entre localização indeterminada e localização determinada ou imediatamente determinável ("objecto que se encontra à vista dos falantes": aquele/ aquele ali, aquela lá). Acrescenta Coseriu, de quem tomamos a lição, que é por este carácter relativamente indeterminado da 3ª pessoa que a situação possessiva que lhe corresponde as vezes pode necessitar de ulteriores esclarecimentos: seu /seu mesmo, seu próprio, seu dele [ECs.1, 301 n.37].
A localização positiva de ele ou aquele pode ainda dar-se pelos entornos extralinguísticos ou pelo gesto, que indica a direcção em que o objecto pode achar-se.**
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* Desde K. Brugmann (1904) foram estabelecidos quatro tipos de dêixis em relação à posição do falante: "este-dêixis", "eu- dêixis ", "tu- dêixis " e "aquele- dêixis ".
** Já o nosso João Ribeiro [JR.1,88] lembrara a lição de A. Darmesteter, que considerava os pronomes, pelo seu ofício de indicar a posição da pessoa ou coisa no discurso, "gestos falados".
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BECHARA, E. (1999)Moderna Gramática Portuguesa, Ed. Lucerna, Rio de Janeiro, (pp.162-163)