Semântica - Referência

Filomena Viegas, 2009

 

A linguagem verbal tem duas funções básicas, a de designar entidades num mundo e a de predicar algo sobre essas entidades. Entende-se por referência a relação que une uma expressão linguística a um objecto do mundo - uma entidade ou uma localização temporal ou espacial - no quadro de uma situação de enunciação específica; isto é, a entidade ou a localização temporal ou espacial são reconhecíveis num determinado contexto discursivo. A referência de uma expressão pode ser constante (por exemplo "D. Afonso Henriques" e com a maior parte dos usos de nomes próprios) ou variável (por exemplo "eu", "hoje", "isso"), sendo, neste caso, fixada através de processos de deixis ou anáfora (Adaptado do DT, Base de dados).

A Língua é um sistema simbólico que nos permite representar o mundo (e reinventá-lo, criando "mundos possíveis"), mas a língua não é o mundo, como a esse propósito dizia J.P. Sartre, “Por ter descoberto o mundo através da linguagem, pensei durante muito tempo, que a linguagem era o mundo.”

A linguagem, entendida como cada língua em particular, tem o poder de falar de si própria e de todas as outras linguagens. Só ela se pode tomar como objecto de análise e também como instrumento dessa análise, estabelecendo consigo própria uma relação reflexiva, através da função metalinguística. 
Segundo Marina Yaguello (1), o princípio que resume a  função metalinguística  pode ser condensado na seguinte frase “A palavra cão não ladra”. Isto quer dizer que a palavra é independente do seu referente e é necessário evitar o erro que consiste em pensar que o significante cão (sequência fonética  e/ou gráfica) é a palavra, e o significado, a realidade que ela designa. A palavra cão pode evocar uma ideia geral, abstracta, com valor classificativo, que não tem em conta as diferentes raças de cães, nem as suas diferenças de tamanho, cor, etc,  ou indicar um animal específico (“Este cão é meu.” ) Em nenhum destes casos a palavra cão pode ser confundida com a entidade que designa, que representa. A representação do animal não é o animal, tal como a imagem de um objecto não é o objecto. À luz deste mesmo princípio se explica, por exemplo, o conhecido quadro de Magritte onde a frase «Ceci n' est pas une pipe .» (Isto não é um cachimbo.) legenda um cachimbo pintado.
A actividade Contar com a gramática  integra-se no subdomínio da Semântica frásica e   foi construída para explorar o   conceito de referência. Tem pressuposto um trabalho sobre uma função básica da linguagem: designar as entidades no mundo através das palavras. Tem igualmente pressuposto um trabalho sobre o valor polissémico das palavras: as palavras podem partilhar a mesma grafia e o mesmo som, conservando significados distintos. São os enunciados em que as palavras ocorrem que permitem explicar o seu sentido e integrá-las numa determinada classe gramatical.
 
Contar com a gramática
Afinal, quantas patas há na mata?
 

Objectivos:
Distinguir a palavra do objecto do mundo que essa palavra designa.
Reconhecer no  pequeno texto em verso de Sidónio Muralha, “Caminhada”, as entidades designadas - lugares e animais -  e as palavras que as designam - nomes  comuns. Identificar pares de palavras homónimas.

 

Caminhada

Nessa mata ninguém mata,
a pata que vive ali,
com duas patas de pata,
pata acolá, pata aqui.

Pata que gosta de matas
visita as matas vizinhas,
com as suas duas patas
seguida de dez patinhas.

E cada patinha tem,
como a pata lá da mata,
duas patinhas também
que são patinhas de pata.

Sidónio Muralha,  A dança dos pica-paus

 
  Público destinatário: alunos do 2º ciclo ou no 4.º ano de escolaridade.
 

Questões (próximas das que se apresentavam no Mini-teste disponível na plataforma Moodle)

Lê o texto “Caminhada” com muito cuidado e depois todas as questões que se lhe seguem. Antes de escreveres as respostas, toma notas e faz muito bem as contas!

1. Esta é a definição de pato,-a que se pode consultar num dicionário:
«Ave aquática, palmípede, de bico espalmado, pescoço curto e patas pequenas, doméstica ou selvagem.»

1.1 Quantos destes animais podemos identificar a partir do texto "Caminhada", de Sidónio Muralha? 

1.2 Ao longo do texto esses animais são referidos por palavras. Quantas vezes são eles referidos?
1.3 Qual a Classe a que pertencem as palavras que os referem ?

2. Lê a seguinte definição de pata que se pode encontrar no dicionário: «A pata é cada um dos membros pares, articulados, de um animal, que servem para a sua locomoção e apoio do corpo.»

2.1 Qual é o número total de membros (patas) de pato,-a que podemos contar a partir do texto?

2.2 Quantas vezes são esses membros de pato,-a referidos por palavras no texto?

2.3 Qual a Classe a que pertencem as palavras que os referem?


3. No verso “Nessa mata ninguém mata”, a primeira palavra, "mata", (mata1) é homónima da segunda palavra "mata", (mata2), isto é, escrevem-se da mesma maneira, dizem-se da mesma maneira mas têm significados diferentes. Uma designa um lugar,  a outra descreve uma situação.

3.1 A que Classe de Palavras pertence "mata1"?
3.2 A que Classe de Palavras pertence mata2 ?
3.3 Copia do texto mais dois pares de palavras homónimas. Separa as duas palavras do par com vírgula. Coloca um ponto e vírgula a separar os dois pares.


4. Conta agora o total de palavras da classe dos Nomes que ocorrem no texto.  
4.1 Quantas dessas palavras são nomes que designam seres animados? Compara esse número com o que escreveste na resposta à questão 1.2.
4.2 Transcreve  do texto o verso onde ocorre o primeiro nome que designa um ser animado. Não te esqueças de que tens de usar aspas («» ou " ") sempre que fazes transcrições.
4.3 Transcreve do texto o verso em que ocorre o último nome que designa um ser não animado.  Não te esqueças de que tens de usar aspas («» ou " ") sempre que fazes transcrições.


Soluções: 1.1- Onze/seis ; 1.2 - Sete/seis ; 1.3 - Classe dos Nomes; 2.1 - Vinte e dois/doze ; 2.2 - Seis/sete; 2.3 - Classe dos Nomes; 3.1 - Classe dos Nomes; 3.2 - Classe dos Verbos ; 3.3 - pata, pata; patinhas, patinhas ou patinhas, patinhas; pata, pata 4. Dezassete ; 4.1 - Sete/seis ; 4.2 - «a pata que vive ali,» 4.3 - «que são patinhas de pata.»

  (1) YAGUELLO, M.(1990). Alice no país da linguagem. Para compreender a linguística. Lisboa: Ed Estampa, p.29.(voltar)