B6. Semântica; B4. Sintaxe; B3. Classes e Palavras

Coesão interfrásica

DURTE, Inês (2003). “Uso da língua, interacção verbal e texto ” in MATEUS et alii (2003) Gramática da Língua Portuguesa.
5ª edição revista e aumentada. Lisboa: Caminho.

5.1.2. Coesão interfrásica (pp. 91-98)

A coesão interfrásica (1) é assegurada por processos de sequencialização que exprimem vários tipos de interdependência semântica das frases que ocorrem na superfície textual.

Consoante o tipo de unidades linguísticas conectadas e o tipo de unidade resultante de tal conexão, pode falar-se de dois grandes processos que asseguram a coesão interfrásica: a parataxe (etimologicamente, "colocar ao lado de") e a hipotaxe (etimologicamente, "colocar sob") ou subordinação.

Conexões paratácticas de que resulta uma frase composta

Nas frases articuladas por parataxe de que resulta uma frase composta, é possível distinguir os seguintes grandes tipos de conexão (2) : conexões aproximáveis da conjunção lógica, conexões aproximáveis da disjunção lógica, conexões que exprimem um argumento lógico.

As primeiras englobam a família das frases coordenadas assindéticas e sindéticas introduzidas ou parafraseáveis pela conjunção copulativa prototípica e, no seu valor mais neutro de operador de listagem e de sequencialização, bem como a das frases compostas por coordenação assindética ou sindética, introduzidas ou parafraseáveis pela conjunção adversativa prototípica mas. As segundas abarcam as frases compostas por coordenação assindética ou sindética introduzidas ou parafraseáveis pela conjunção disjuntiva prototípica ou. As terceiras incluem frases compostas por coordenação assindética ou sindética introduzidas ou parafraseáveis pela conjunção copulativa e, com valor inferencial (3).

As conexões aproximáveis da conjunção lógica que admitem a conjunção copulativa prototípica e exprimem valores de listagem, de confirmação e de sequência temporal. No primeiro caso, as frases conectadas são apresentadas como elementos de uma lista, meramente ordenados (listagem enumerativa: cf. (l0a)), associados por nexos mais fortes (listagem aditiva), de entre os quais sobressaem a semelhança de estatuto entre os membros conectados (cf. (10b)) ou o relevo de um membro conectado relativamente aos outros (cf. (10c)). No segundo caso, o segundo membro coordenado apresenta uma confirmação ou um reforço do que é apresentado no primeiro (cf. (11)) ( 16 ). No terceiro caso, toma-se como eixo da articulação entre as frases a relação entre os intervalos de tempo em que se localizam as situações descritas, devendo a ordem linear dos membros conectados reproduzir a ordenação temporal das situações descri-tas — vejam-se os exemplos (12a, b) e o contraste entre (12a) e (12c):

(10) (a) A Escola que temos está em crise, o País está em crise, o mundo ocidental está em crise.

(b)  E sabido que a mudança assusta e é igualmente sabido que o medo tolda a reflexão e a razão.

(c) "[...] apoiar o general Washington implicava para Paris enfraque­cer a hegemonia naval da Grã-Bretanha, diminuir-lhe os meios de levar a cabo uma guerra no próprio solo europeu, e, sobretudo, vingar a grande derrota de 1763, que apartara da França as coló­nias canadianas." [VSM: 22]

(11) (a) 0 João garantiu-nos que os ia convencer e, efectivamente, conse­guiu convencê-los.

(b) Eram esperados muitos milhares de visitantes e, de facto, foram vendidas oitenta mil entradas.

(12) (a) Cheguei, vi e venci.

(b) A cortina ergueu-se devagarinho e a criança loura espreitou.

(c)  *Vi, cheguei e venci.

As conexões aproximáveis da conjunção lógica que admitem a conjunção adversativa prototípica mas exprimem valores de contraste. Neste tipo de cone ­xão, à luz da primeira frase, pode apresentar-se a situação descrita pela outra como inesperada, contrária às expectativas (contraste concessivo, pois nestes casos a frase composta é parafraseável por uma frase complexa em que o primei ­ro membro ocorre como subordinada concessiva e a coordenada adversativa ocorre como subordinante — cf. (13a)). Podem também pôr-se em oposição as situações descritas por cada um dos membros coordenados (contraste antitético, cf. (13b)):

(13) (a) A Maria trabalhou imenso na preparação do projecto mas não con seguiu o contrato.

(=Embora a Maria tenha trabalhado imenso na preparação do pro ­jecto, não conseguiu o contrato)

(b) 0 João é amoroso e o Pedro, pelo contrário, é a antipatia em pes­soa.

As conexões disjuntivas são aproximáveis da disjunção lógica, admitem a conjunção disjuntiva prototípica ou e articulam frases exprimindo conteúdos proposicionais alternativos. Por vezes, a conexão disjuntiva é aproximável da disjunção inclusiva do cálculo proposicional ((pvq) é falsa se p e q forem ambas falsas): no exemplo (14a), a sequência apresentada na pergunta é interpretada pelo alocutário como constituída por alternativas compatíveis, pelo que a sequên ­cia é válida se ambas as proposições disjuntas se verificarem. Mas em muitas sequências formadas por conexão disjuntiva, os conteúdos proposicionais das frases disjuntas são apresentados como alternativas que se excluem no par rele­vante intervalo de tempo-mundo, o que a aproxima da disjunção exclusiva do cálculo proposicional ((pvq) é falsa se p e q forem ambas falsas ou ambas ver­dadeiras); vejam-se os exemplos (14b, c):

(14) (a) A: Queres queijo ou preferes fruta?

B: Quero as duas coisas.

(b) Vamos ao teatro ou ficamos em casa a jogar xadrez?

(c) A esta hora, ou estou na Faculdade ou estou no Centro.

Repare-se que a conjunção correlativa ou ... ou, utilizada em (14c), força uma interpretação exclusiva da disjunção, como se pode observar através da comparação de (14a) com (14d):

(14) (d) A: Ou comes queijo ou comes fruta.

B: #Como as duas coisas.

B: Como queijo.

As conexões inferenciais exprimem um argumento lógico. Pertencem a este tipo conexões coordenativas em que o conteúdo proposicional do segundo mem ­bro coordenado é inferível a partir do do primeiro, apresentado como razão ou motivo (inferências consequenciais e conclusivas (cf. (15a, b)), e conexões coor ­denativas em que o primeiro membro coordenado apresenta a conclusão do ar­gumento, estando reservado ao segundo a expressão de uma premissa ou justificação (cf. (15c)):

(15) (a) Estava mau tempo e (por isso) decidimos ficar em casa.

(b) 0 João está constipadíssimo e (portanto) não vem à festa..

(c) Chegámos atrasados, pois está um trânsito infernal.

Apresenta-se em (16) um quadro sinóptico das conexões paratácticas de que resultam frases compostas, indicando, para cada conexão, a conjunção prototípica e as expressões adverbiais e preposicionais mais frequentemente usadas:

(16) Tipos e valores da conexão e conectores mais frequentes

Conexão

Conjunção

Conectores adverbiais e preposicionais

Listagem enumerativa

e

finalmente;

por fim

Listagem aditiva

e

adicionalmente; ainda; além disso;

igualmente; também; de novo;

do mesmo modo; pela mesma razão

Confirmação

e

efectivamente;

com efeito; de facto

Sequência temporal

e

antes; durante, então; entretanto; depois;

em seguida

Contraste concessivo

mas

ainda assim; mesmo assim;

contudo; no entanto

Contraste antitético

mas

contrariamente;

pelo contrário; por oposição

Disjunção

ou

alternativamente;

em alternativa

Inferência

e (inferencial)

assim; consequentemente; pois;

deste modo, em consequência; portanto:

por conseguinte; por esta razão; por isso

__________________________

(1) A tipologia de conexões aqui proposta apoia-se em Quirk, Greenbaum, Leech e Svartvik (1985) e em Peres (1997a). Ver em particular Peres (1997a: 784-785).
(2) Peres (1997a) denomina este e 'copulativo-consequencial'.
(3) Peres (1997a) chama a este nexo 'conexão confirmativa', considerando, contudo, que o seu resultado não é uma frase composta.