Inês Duarte (2008). O Conhecimento da Língua: Desenvolver a Consciência Linguística - PNEP. Lisboa: DGIDC-ME (pp. 17-19).

Secção 2


Desenvolvimento da Consciência Linguística e Ensino da Gramática

 

Os textos normativos em vigor referem uma competência curricular a desenvolver, denominada, no Currículo Nacional do Ensino Básico, ‘conhecimento explícito’ e, nos programas, ‘funcionamento da língua’. Contudo, é evidente para qualquer professor que estes termos estão de algum modo relacionados com o conceito de gramática.

 

Importa, portanto, que tenhamos um entendimento comum sobre os conceitos que os termos ‘gramática’, ‘consciência linguística’ e ‘conhecimento explícito’ designam no contexto educativo.

gramática

No contexto educativo, o termo ‘gramática’ tem uma acepção alargada, designando tanto o estudo do conhecimento intuitivo da língua que têm os falantes de uma dada comunidade como os princípios e regras que regulam o uso oral e escrito desse conhecimento.

conhecimento explícito

Por seu lado, o termo ‘conhecimento explícito’ designa o conhecimento reflexivo e sistemático do sistema intuitivo que os falantes conhecem e usam, bem como o conhecimento dos princípios e regras que regulam o uso oral e escrito desse sistema. Este estádio de conhecimento caracteriza-se pela capacidade de identificar e nomear as unidades da língua (por exemplo, fonemas, sílabas, morfemas, palavras, grupos sintácticos, frases), de caracterizar as suas propriedades, as suas regras de combinação e os processos que actuam sobre as estruturas formadas; caracteriza-se igualmente pela capacidade de selecção das unidades e estruturas mais adequadas à expressão de determinados significados e à concretização de determinados objectivos em situações concretas de uso oral e escrito da língua (por exemplo, informar, persuadir, exprimir um desejo ou um ponto de vista).

consciência linguística

Um estádio intermédio entre o conhecimento intuitivo da língua e o conhecimento explícito, caracterizado por alguma capacidade de distanciamento, reflexão e sistematização, é a chamada consciência linguística.

 

Ensinar gramática no 1.º  ciclo visa desenvolver a consciência linguística das crianças, a qual, ao longo do seu percurso escolar, evoluirá para o estádio de conhecimento explícito.

 

As actividades que o professor tem de proporcionar às crianças para prosseguir este objectivo podem e devem ser de vários tipos e podem e devem abranger as várias áreas da gramática. Algumas destas actividades, as de natureza classificatória e de formulação de regras, envolvem o recurso a termos gramaticais. Os termos gramaticais são instrumentos que permitem que toda a classe saiba exactamente de que unidade, propriedade ou regra se está a falar quando se usa esse termo. De facto, como todos sabemos, o domínio comum de um conjunto de termos que designem sem ambiguidade determinados conceitos é indispensável em qualquer área do saber. Por isso, tal como acontece com a Matemática e com o Estudo do Meio, também na língua as crianças do 1.º ciclo têm de aprender algumas etiquetas gramaticais, que são o “envelope” de conceitos relevantes para a compreensão do modo como se organiza e funciona a língua. (...)

 

Mas existem muitas actividades que promovem o desenvolvimento da consciência linguística das crianças e que não exigem o recurso a metalinguagem gramatical.

 

Quer umas quer outras ganham em ser inscritas na perspectiva mais geral de um laboratório gramatical que proporcione às crianças oportunidades para adquirirem, exercitarem e desenvolverem um "olhar de cientista": por outras palavras, que as iniciem na forma de interrogar a realidade (neste caso, a língua e os seus usos) e sobre ela reflectir que caracteriza o pensamento científico.


P

O

Esta iniciação segue as seguintes etapas:
Formular uma pergunta acerca de um conjunto de dados fornecidos à criança ou apresentar um problema, por exemplo, a partir de uma produção oral ou escrita da classe.

Levar a criança a observar os dados ou a situação-problema, procurando que identifique padrões comuns e abstraia dos aspectos que considera irrelevantes para responder à pergunta ou para resolver o problema.

H

Levar a criança a formular hipóteses, a partir das suas intuições sobre a língua e da observação já realizada.

T

Testar as hipóteses formuladas pela classe, orientando a criança para actividades de manipulação dos dados iniciais e de outros dados carreados pelo professor ou sugeridos pela classe que permitirão seleccionar a hipótese com maior grau de adequação e generalização.

V

Validar a hipótese, pela observação de novos dados ou de problemas análogos que ela consegue captar, levando a classe a registá-la sob a forma de uma generalização gramatical (por exemplo, uma classe de unidades linguísticas, uma propriedade, uma regra).

E

Proporcionar às crianças actividades que lhes permitam exercitar o conhecimento atingido, distribuídas ao longo de todo o ano lectivo ou mesmo de todo o ciclo de estudos. Relativamente a alguns aspectos, como no caso das regras ortográficas, a exercitação deve levar ao automatismo.

V

No momento considerado oportuno, avaliar a aprendizagem relativa à pergunta ou ao problema trabalhado.

 


Resultados de investigação realizada em vários sistemas educativos têm mostrado as vantagens cognitivas e instrumentais desta forma de conceber o ensino da gramática. Ela não enjeita a necessidade de memorização de paradigmas e regras, mas insiste no papel activo da sua descoberta pelas crianças, sob rigorosa orientação do professor. Ela tem em conta o que se sabe hoje sobre o nosso funcionamento cognitivo, ao prever actividades de exercício de cada aprendizagem gramatical distribuídas ao longo do tempo e não feitas "por atacado", de uma vez só.