Funcionamento da Língua: Pragmática e linguística textual; Semântica lexical e frásica; Sintaxe |
Olívia M. Figueiredo (2006). “
A renovação do ensino
da língua não deve supor tão só uma mudança metodológica nem tão pouco uma
simples mudança formal de etiquetas e muito menos uma aplicação directa das
diferentes disciplinas linguísticas de referência.
A TLEBS (Ministério da Educação,
2004), documento gerador desta reflexão, não se apresenta como um documento
científico e metodológico fundador da renovação do ensino do Português. Os
conteúdos (por que razão foram seleccionados uns e não outros?) são apresentados
de forma factual, sem nenhuma problematização. Espécie de manual de receitas, a
TLEBS limita-se a apresentar os ingredientes de forma desconexa entre si e onde
não se vislumbra o que fazer com alguns deles, nem como o fazer, nem qual a
dosagem a estabelecer entre eles. Com isto quer-se dizer que o essencial está
por fazer.
Para evitar confundir as finalidades
das ciências da linguagem com as finalidades da educação linguística e diante da
situação de ano após ano se constatar o fracasso reiterado na área do domínio da
língua por parte dos alunos dos Ensinos Básico e Secundário, o professor deverá
interrogar-se sobre que mudanças introduzir no ensino desta área de conhecimento
para que se cumpram os objectivos que o sistema educativo “encomenda" à
instituição escolar.
(...) A evolução
de algumas disciplinas ligadas às ciências da linguagem (linguística de texto,
análise do discurso, semiótica textual...) orienta-se cada vez mais para a
análise das formas discursivas que se realizam nos usos comunicativos.
Transpondo esta visão para a prática pedagógica, dever-se-á agora ter em conta,
não uma língua virtual, fechada em “conglomerados” de saberes diversos sem
relação uns com os outros, mas uma língua considerada nos seus usos numa
dinâmica entre o saber a língua e o saber-fazer na língua.
Porque, como atesta PelTenoud
(1999), possuir conhecimentos não significa ser competente. A experiência
tem mostrado que um aluno pode estar de posse de aquisições, mas não ter a
capacidade de mobilizá-las de forma pertinente e eficaz nas situações novas que
lhe são apresentadas.
Nesta perspectiva, e porque os
caminhos da apropriação variam de um aluno a outro, é necessário mobilizar os
novos saberes de referência (sublinhado nosso) para que cada aluno os
interiorize e os desenvolva de forma a incorporá-los no seu próprio campo
conceptual prévio. Abordar a língua nos textos por três grandes entradas
interligadas do ponto de vista metodológico
—
pragmática
(adequação),
sintaxe
(coesão),
semântica (coerência)
-
é ao mesmo tempo proporcionar ao aluno uma visão local e global da
língua e consciencializá-lo de que esta constitui não só uma ferramenta e um
utensílio eficaz para a auto-regulação dos actos comunicativos verbais, mas
também uma representação do mundo e, sobretudo, uma forma de acção sobre o
outro. A consideração de noções como as de
adequação, coerência, coesão e
de outras noções que com estas estão relacionadas são instrumentos operatórios
eficazes para a compreensão a para a produção textual, estejam os discursos na
sua forma oral ou na sua forma escrita, na sua forma literária ou não literária.
Todo o texto está associado a uma
certa organização textual. Dominar essa organização é ter a consciência nítida
do modo de encadeamento dos seus constituintes em diferentes níveis.
1. Adequação, coerência e coesão
1.1
1.2
A
coerência
exige que se abordem os
enunciados como discursos. Cada enunciado é produzido com a intenção de
comunicar alguma coisa a alguém. Este acordo tácito é consubstancial à
actividade verbal e pressupõe um saber mutuamente partilhado. Cada um
— .
(receptor e produtor da
mensagem) postula e se conforma a estas regras que não são obrigatórias e
inconscientes (como as da sintaxe e as da morfologia) mas convenções tácitas.
Estas “leis do discurso”, que regem a comunicação verbal e que se lhe aplicam,
devem adaptar-se às especificidades de cada género discursivo (por exemplo falar
em tom professoral pode ameaçar a face positiva do interlocutor) e de cada
protótipo textual (um texto argumentativo opinativo mobiliza mais inferências
que um texto narrativo).
O facto de todo o enunciado
ser modalizado pelo enunciador mostra que o discurso só pode representar o mundo
se o enunciador, directamente ou não, marcar a sua presença através do que ele
diz.
Tendo em conta todos estes factores enunciados, a coerência sustenta-se nas
seguintes
propriedades:
- tema do texto (de
que é que o texto fala)
- informação (qual a
informação seleccionada)
-
organização da informação (qual o protótipo textual e qual o género discursivo)
- progressão
temática (relação entre a informação conhecida e a informação nova)
- modalização
implementada (que marcas modais indicadoras de atitudes, de sentimentos, de
pontos de vista).
1.3. A
coesão é a propriedade da textualidade que dá conta dos mecanismos
linguísticos e gramaticais que se articulam, que se retomam e se relacionam
entre si estrategicamente dentro do texto.
Sendo a coesão uma espécie de sintaxe
textual, há que conectá-la com as propriedades da coerência (o sentido
global que se transmite) e da adequação (condicionamento das
peculiaridades linguísticas de acordo com o contexto). Convém, no entanto,
recordar que cada protótipo textual tem as suas próprias exigências quanto aos
modos de manutenção do referente, de explicitação da conexão, de actualização e
relação das formas verbais dentro do texto. Sendo que cada uma destas
características se actualizam e realizam de modo diferencial, de acordo com o
tipo de texto (o protótipo narrativo diferencia-se do argumentativo pelos
elementos linguísticos e gramaticais à superfície dos textos), o género
discursivo (dentro do tipo argumentativo os géneros discursivos “artigo de
opinião” e “publicidade” realizam-se de modo diferenciado), a forma do texto
(oral ou escrito).
A coesão textual rege-se pelos
seguintes mecanismos: a deixis: a anáfora (lexical e gramatical):
a elipse; a conexão; a modalicação (incluindo o relato de
discurso): a relação dos tempos verbais.
(...)