Funcionamento da Língua: Pragmática e linguística textual; Semântica lexical e frásica; Sintaxe

Olívia M. Figueiredo (2006).  “As Noções de Adequação, Coerência e Coesão e seus Modos de Operacionalização”,Terminologia Linguística: das teorias às práticas, Actas do Encontro. Porto: FLUP,  pp.71-76.

        A renovação do ensino da língua não deve supor tão só uma mudança metodológica nem tão pouco uma simples mudança formal de etiquetas e muito menos uma aplicação directa das diferentes disciplinas linguísticas de referência.
        A TLEBS (Ministério da Educação, 2004), documento gerador desta reflexão, não se apresenta como um documento científico e metodológico fundador da renovação do ensino do Português. Os conteúdos (por que razão foram seleccionados uns e não outros?) são apresentados de forma factual, sem nenhuma problematização. Espécie de manual de receitas, a TLEBS limita-se a apresentar os ingredientes de forma desconexa entre si e onde não se vislumbra o que fazer com alguns deles, nem como o fazer, nem qual a dosagem a estabelecer entre eles. Com isto quer-se dizer que o essencial está por fazer.
        Para evitar confundir as finalidades das ciências da linguagem com as finalidades da educação linguística e diante da situação de ano após ano se constatar o fracasso reiterado na área do domínio da língua por parte dos alunos dos Ensinos Básico e Secundário, o professor deverá interrogar-se sobre que mudanças introduzir no ensino desta área de conhecimento para que se cumpram os objectivos que o sistema educativo “encomenda" à instituição escolar.

        (...) A evolução de algumas disciplinas ligadas às ciências da linguagem (linguística de texto,  análise do discurso, semiótica textual...) orienta-se cada vez mais para a análise das formas discursivas que se realizam nos usos comunicativos. Transpondo esta visão para a prática pedagógica, dever-se-á agora ter em conta, não uma língua virtual, fechada em “conglomerados” de saberes diversos sem relação uns com os outros, mas uma língua considerada nos seus usos numa dinâmica entre o saber a língua e o saber-fazer na língua.
        Porque,  como atesta PelTenoud (1999),  possuir conhecimentos não significa ser competente. A experiência tem mostrado que um aluno pode estar de posse de aquisições, mas não ter a capacidade de mobilizá-las de forma pertinente e eficaz nas situações novas que lhe são apresentadas.
        Nesta perspectiva, e porque os caminhos da apropriação variam de um aluno a outro, é necessário mobilizar os novos saberes de referência (sublinhado nosso) para que cada aluno os interiorize e os desenvolva de forma a incorporá-los no seu próprio campo conceptual prévio. Abordar a língua nos textos por três grandes entradas interligadas do ponto de vista metodológico
—  pragmática (adequação), sintaxe (coesão), semântica (coerência) -  é ao mesmo tempo proporcionar ao aluno uma visão local e global da língua e consciencializá-lo de que esta constitui não só uma ferramenta e um utensílio eficaz para a auto-regulação dos actos comunicativos verbais, mas também uma representação do mundo e, sobretudo, uma forma de acção sobre o outro. A consideração de noções como as de adequação, coerência, coesão e de outras noções que com estas estão relacionadas são instrumentos operatórios eficazes para a compreensão a para a produção textual, estejam os discursos na sua forma oral ou na sua forma escrita, na sua forma literária ou não literária.
        Todo o texto está associado a uma certa organização textual. Dominar essa organização é ter a consciência nítida do modo de encadeamento dos seus constituintes em diferentes níveis.

1. Adequação, coerência e coesão

1.1 A adequação é a propriedade da textualidade que conta da relação do texto e do seu contexto e de como o texto, como unidade comunicativa, se interpreta em relação a uma série de elementos extralinguísticos como sejam os interlocutores,  a relação entre ambos, o espaço e o tempo da enunciação, a intenção comunicativa, o mundo compartilhado, o papel e o lugar social. Estas variáveis são relevantes porque a sua correcta consideração implica decisões linguísticas no campo da coesão. De especial importância é o que diz respeito aos saberes compartilhados entre emissor e receptor.


1.2
A coerência exige que se abordem os enunciados como discursos. Cada enunciado é produzido com a intenção de comunicar alguma coisa a alguém. Este acordo tácito é consubstancial à actividade verbal e pressupõe um saber mutuamente partilhado. Cada um — . (receptor e produtor da mensagem) postula e se conforma a estas regras que não são obrigatórias e inconscientes (como as da sintaxe e as da morfologia) mas convenções tácitas. Estas “leis do discurso”, que regem a comunicação verbal e que se lhe aplicam, devem adaptar-se às especificidades de cada género discursivo (por exemplo falar em tom professoral pode ameaçar a face positiva do interlocutor) e de cada protótipo textual (um texto argumentativo opinativo mobiliza mais inferências que um texto narrativo). O facto de todo o enunciado ser modalizado pelo enunciador mostra que o discurso só pode representar o mundo se o enunciador, directamente ou não, marcar a sua presença através do que ele diz.

        Tendo em conta todos estes factores enunciados, a coerência sustenta-se nas seguintes
propriedades:
                - tema do texto (de que é que o texto fala)
                - informação (qual a informação seleccionada)
                -   organização da informação (qual o protótipo textual e qual o género discursivo)
                - progressão temática (relação entre a informação conhecida e a informação nova)
                - modalização implementada (que marcas modais indicadoras de atitudes, de sentimentos, de pontos de vista).

1.3. A coesão é a propriedade da textualidade que dá conta dos mecanismos linguísticos e gramaticais que se articulam, que se retomam e se relacionam entre si estrategicamente dentro do texto.
        Sendo a coesão uma espécie de sintaxe textual, há que conectá-la com as propriedades da coerência (o sentido global que se transmite) e da adequação (condicionamento das peculiaridades linguísticas de acordo com o contexto). Convém, no entanto, recordar que cada protótipo textual tem as suas próprias exigências quanto aos modos de manutenção do referente, de explicitação da conexão, de actualização e relação das formas verbais dentro do texto. Sendo que cada uma destas características se actualizam e realizam de modo diferencial, de acordo com o tipo de texto (o protótipo narrativo diferencia-se do argumentativo pelos elementos linguísticos e gramaticais à superfície dos textos), o género discursivo (dentro do tipo argumentativo os géneros discursivos “artigo de opinião” e “publicidade” realizam-se de modo diferenciado), a forma do texto (oral ou escrito).
        A coesão textual rege-se pelos seguintes mecanismos: a deixis: a anáfora (lexical e gramatical): a elipse; a conexão; a modalicação (incluindo o relato de discurso): a relação dos tempos verbais.

(...)