DT
B4.3 Sintaxe

Mateus, M. H. M. et alii (2003). Gramática da Língua Portuguesa. 5ª edição revista e aumentada. Lisboa: Caminho. pp.521-526.
(texto adaptado)

 

Frase passiva e complemento agente da passiva

De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), a frase passiva é uma «construção em que participam alguns verbos transitivos directos, transitivos directos e indirectos ou transitivos predicativos, na qual o constituinte interpretado como complemento de uma relação de predicação é realizado como sujeito, sendo o verbo conjugado numa forma composta, com o auxiliar "ser"».
A Gramática da Língua Portuguesa (2003), de Maria Helena Mira Mateus et alii, distingue três tipos de construções passivas: as passivas sintácticas (1), as passivas de –se (2) e as passivas adjectivais (3).

  1. O livro foi oferecido à Maria pelo Luís.
  2. Os artigos publicaram-se no último número da revista.
  3. Os artigos estão publicados no último número da revista.

Consideremos as propriedades das passivas sintácticas:

  1. o constituinte com a função de sujeito na frase passiva tem, na activa correspondente, a função de complemento directo;
  2. o constituinte introduzido pela preposição por na passiva – a que chamamos complemento agente da passiva de acordo com  DT – tem a função de sujeito na frase activa. Este constituinte é opcional na frase passiva, ao contrário do que acontece na frase activa;
  3. existe constância de papel temático entre sujeito da passiva e complemento directo da activa correspondente, assim como entre complemento agente da passiva e sujeito da activa;
  4. ocorre na passiva uma forma auxiliar do verbo ser, ausente da activa correspondente, seguida de uma forma participial, que concorda em género e número com o sujeito.

 

Estatuto do complemento agente da passiva
A opcionalidade do grupo preposicional iniciado por por (que denominaremos constituinte por) poderia favorecer a ideia de que tal constituinte tem a função de modificador. No entanto, são vários os argumentos que permitem verificar o seu estatuto argumental:

1) Existindo constância de papéis temáticos na forma activa e na forma passiva, o constituinte por é interpretado como tendo um papel temático idêntico ao de argumento externo da frase activa correspondente, o que o distingue de constituintes introduzidos por por com nomes e adjectivos deverbais. Neste último contexto, só podem ser introduzidos pela preposição por constituintes com papel temático externo de Agente (4)-(5) ou papel temático interno directo (6):

(4)      
(a)[O professor] AGENTE classificou os testes.

(b) a classificação dos testes pelo professor.

(c) os testes classificáveis pelo professor.

(5)
(a)[Os miúdos] EXPERIENCIADOR temem o escuro.

(b) * o temor do escuro pelos miúdos.

(c) * os monstros temíveis pelos miúdos.

(6)      
(a)[Os miúdos] EXPERIENCIADOR admiram [os heróis] TEMA.

(b) a admiração dos miúdos pelos heróis.

2) Mesmo nas passivas em que o constituinte por não ocorre, está implícito o papel temático externo, daí ser possível, quando nelas ocorre um verbo agentivo, a presença de advérbios orientados para o agente ou de modificadores controlados pelo argumento externo implícito (7):

(7)      
(a) Os dois reféns foram mortos intencionalmente.

(b) O banco foi assaltado para roubar dólares.

3) O constituinte por comporta-se como complemento e não como modificador quando é extraído de ilhas fracas (i.e frases que admitem a extracção de complementos mas não a de modificadores)

(8)      
(a) [O que] lamentas [que tenha sido escrito [-]]?

(b) [Quem] lamentas [que [-] tenha escrito esse livro]?

(c) [Por quem] lamentas [que tenha escrito esse livro[-]]?

(d) *[Para que] lamentas [que o romancista tenha escrito esse livro[-]]?

(e) *[Como] lamentas [que o romancista tenha escrito esse livro[-]]?

4) O constituinte por comporta-se como complemento e não como modificador em relação ao processo da anáfora fazer/acontecer o mesmo:

(9)      
(a) O João devolveu os livros [no domingo] modificador e a Maria fez o mesmo [no sábado] modificador

(b) Os livros foram devolvidos [no domingo] modificador e o mesmo aconteceu às revistas [no sábado] modificador (o mesmo aconteceu = foram devolvidas)

(c) *O João levou os livros [para a biblioteca] complemento e a Maria fez o mesmo [para a livraria] complemento

(d) *Os livros foram comprados [pelo João] complemento e aconteceu o mesmo às revistas [pela Maria] complemento