Cinco gramáticas de referência de Português |
António Carvalho da Silva (2006). Configurações do Ensino da Gramática em Manuais Escolares de Português: Funções, organização, conteúdos, pedagogias.(Tese de doutoramento) Universidade do Minho, Instituto de Educação e Psicologia (pp.64-67). |
Uma gramática escolar define-se (igualmente) enquanto construção feita a partir das teorias linguísticas, das gramáticas de referência e dos documentos reguladores do ensino da língua. [...] Procurando analisar o que os compêndios de gramática dizem de si próprios, conseguimos descobrir os traços fundamentais do discurso dos gramáticos contemporâneos sobre a gramática. Com esse objectivo, seleccionámos um corpus constituído pelas cinco mais divulgadas gramáticas do Português (gramáticas de referência), em cujos prefácios verificamos como é definida a gramática. [...] Integram o corpus estas gramáticas de Português:
Em 1984, Celso Cunha e Lindley Cintra lançam aquela que depressa se tomará na mais divulgada gramática de referência do Português e que, em 2005, ia já, sem sofrer grandes modificações, na sua 18.ª edição. Este projecto original de colaboração entre Portugal e Brasil veio colmatar uma lacuna existente na investigação, na descrição e no ensino da língua portuguesa. Cunha e Cintra (1987: XIII), no prefácio, consideram- na “uma urgente necessidade para o ensino da língua portuguesa” e reconhecem a ausência de “uma descrição do português contemporâneo que levasse em conta, simultaneamente, as diversas normas vigentes dentro do seu vasto domínio geográfico (principalmente as admitidas como padrão em Portugal e no Brasil).” Esta constitui, então, uma gramática que pretende descrever as normas cultas de Portugal e do Brasil, assumindo como modelo a “língua como a têm utilizado os escritores portugueses, brasileiros e africanos do Romantismo para cá”, mas sem descurar os “factos da linguagem coloquial.” (Cunha e Cintra, 1987: XIV) O objecto seleccionado para modelo de descrição é a língua literária que ajudará, na visão dos autores, a desenvolver “uma expressão oral e escrita [...] ‘correcta’.” (Ibidem: XIII) Sobressai, assim, o pendor normativo deste manual que os autores assumem, de modo explícito, ao definir “a noção de correcto” (Ibidem: 5): “Uma gramática que pretenda registar e analisar os factos da língua culta deve fimdar-se num claro conceito de norma e de correcção idiomática.” Em suma, trata-se de duas gramáticas teóricas que descrevem, preferencialmente, a norma culta a partir da língua literária, têm fms didácticos explícitos e assumem também um pendor normativo.
Nesta gramática há, por conseguinte e na sequência das investigações linguísticas contemporâneas, uma oposição clara entre o que se pretende que seja uma gramática científica (que terá de ser isenta na sua descrição) e uma possível gramática pedagógica, que pode assumir, essa sim, um pendor normativo:
Por fim, também Vilela publicou uma gramática teórica e descritiva que parece introduzir alguma novidade estrutural em termos dos manuais de referência para o Português. Antes do mais, porque esta é uma “gramática da palavra, gramática da frase, gramática de texto” que "pretende servir para o ensino da Língua Portuguesa, mas a partir do conhecimento que as ‘pessoas’ têm realmente do funcionamento da língua ou das línguas” (1995: 5). Assim, esta Gramática da Língua Portuguesa tem como objectos a palavra, a frase e o texto, partindo do conhecimento dos falantes e traçando como objectivo a aprendizagem da língua portuguesa ao nível do ensino superior. Em todo o caso, o estudo da morfologia e da sintaxe acabam por constituir o conteúdo essencial desta obra, tal como esclarece o seu autor (Vilela, 1995: 51):
Mesmo que, normalmente, a morfologia e a sintaxe sejam o “núcleo duro da gramática”, neste caso, a diferença será marcada pela introdução da gramática de texto, que compreende “a sintaxe de texto e a semântica de texto” (Vilela, 1995: 3l2). A Moderna Gramática Portuguesa, a mais divulgada gramática portuguesa do Brasil (cuja 1.ª edição é de 1961), define-se a si própria ao dizer que “alia a preocupação de uma científica descrição sincrónica a uma visão sadia da gramática normativa.” (Bechara, 2001: 20) Este autor acha necessário distinguir esses dois tipos de gramática — a descritiva e a normativa —‘ explicando que a gramática se estrutura de formas diferentes, segundo as finalidades às quais se destina (Bechara, 2001: 53):
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