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B2. Morfologia-> Derivação e Composição | Índice |
Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos (2005). Inovação lexical em português.
Cadernos de Língua Portuguesa, 4. Lisboa: APP, Colibri (pp.24-27).
3.2. Construção de palavras dentro do sistema do português Tal como qualquer outra língua, também o português possui a capacidade e os meios para a construção de palavras. De resto uma das características universais da linguagem humana é, precisamente, o facto de todas as línguas possuírem mecanismos capazes de gerar novas palavras. Para o fazer, parte-se de elementos pré-existentes (unidades lexicais e afixos) e, com base num conjunto de regras interiorizadas e partilhadas pelos falantes, juntam-se esses elementos, de modo a obter novos itens, de estrutura normalmente transparente, ou seja, itens ou palavras cuja estrutura morfológica é perceptível e cujo significado é coerente com essa estrutura. Neste trabalho, serão apresentadas, por esta ordem, a derivação, a composição, os processos deformacionais, a lexicalização de unidades flexionadas, a lexicalização de unidades discursivas e a reutilização de palavras já existentes (com aquisição de novos significados). 3.2.1. Derivação A derivação é aparentemente o processo mais disponível para a construção de palavras, não apenas na língua portuguesa, como nas línguas românicas. Tal facto verifica-se não só na quantidade de pala vras registadas nos dicionários que são palavras derivadas, como, ainda, na possibilidade de construir novas palavras por derivação. Tradicionalmente, na derivação, incluem-se normalmente processos de natureza um pouco distinta. Por um lado, temos a derivação afixal (em que intervêm afixos derivacionais), que é a mais típica de todas, mas, por outro, temos a chamada derivação imprópria ou conversão, em que não intervêm quaisquer afixos, e a derivação regressiva. Ao estudar a derivação afixal importa ter em atenção que este é tipicamente um processo binário, isto é, em cada processo derivacional apenas intervêm, de cada vez, uma base ou radical derivacional e um afixo. Deste modo, palavras que apresentem mais do que um afixo derivacional, com excepção dos derivados parassintéticos, foram palavras que resultaram não de um, mas de vários processos derivacionais. Por exemplo, uma unidade como desvalorização, que apresenta três afixos derivacionais, foi construída em três etapas distintas: valor N —> valorizar V; valorizar V —> desvalorizar V; desvalorizar V —> desvalorização N . Deste modo, diremos que desvalorização deriva de desvalorizar que, por seu turno, deriva de valorizar que, por sua vez, deriva da palavra primitiva valor. Por outro lado, podemos afirmar que valor é a base ou radical derivacional de valorizar, que, por seu turno, é a base de desvalorizar, base de desvalorização. 3.2.1.1. Derivação vs. composição Quando na construção de palavras intervêm elementos não-autónomos, é por vezes difícil estabelecer uma fronteira nítida entre derivação e composição. Tal acontece, sobretudo, quando a estrutura em causa apresenta uma forma à esquerda que tem o estatuto de modificador do elemento da direita (exs.: hipermercado, psicopedagogo): é, por vezes difícil, embora não impossível, aferir do estatuto do elemento à esquerda (prefixo ou elemento de composição?) e do estatuto da palavra construída (derivada por prefixação ou composta?). Para tal, é, no entanto, importante distinguir perfeitamente entre os dois processos de construção de palavras. A derivação distingue-se da composição fundamentalmente pelos seguintes factores:
A composição é um processo menos previsível dado que:
Importa estabelecer a distinção entre dois tipos de unidades: as unidades com significado lexical e as unidades com significado gramatical. Entende-se que as `unidades de significado lexical' são aquelas que permitem remeter directamente para a realidade extralinguística, ou, dito de outro modo, são as que permitem denominar entidades que existem fora da própria linguagem. Estas unidades são, principalmente, substantivos, adjectivos e verbos, constituindo, portanto, classes abertas de palavras. Podem, ainda, ser unidades autónomas ou unidades não-autónomas, isto é, podem ocupar posições sintácticas (exs.: casa, belo, viajar), ou surgir apenas aglutinadas a outras unidades (exs.: cefal- acéfalo ou cefaleia; bio- em biologia ou biografia). Por seu turno, as unidades de significado gramatical (ou relacional, ou instrucional) são aquelas cujo significado não permite estabelecer uma relação directa com a realidade extralinguística, consistindo, sobretudo, na capacidade de estabelecer relações de variado tipo entre as unidades de significado lexical. São unidades de significado gramatical as preposições, as conjunções, os artigos, os pronomes, e, também, os afixos. Estas unidades constituem classes fechadas. A classe dos advérbios é uma classe heterogénea, como é, de resto, constatado por Costa & Costa 2001. Embora esta afirmação possa ser alvo de rectificações posteriores, poderemos dizer, provisoriamente, que advérbios em –mente, derivados sobre bases adjectivais têm um conteúdo lexical mais marcado do que os advérbios de estrutura simples, que lhes advém, precisamente, das suas bases respectivas. Importa, no entanto, antes de prosseguir, destacar que as diferentes classes de palavras não constituem categorias estanques, constituindo antes um continuum, pelo que se reconhece que a fronteira entre a categoria das palavras de significado lexical e a categoria das palavras de significado gramatical nem sempre é facilmente delimitável. Por exemplo, se atentarmos na classe dos nomes ou substantivos, verificamos que há substantivos com um significado lexical mais evidente do que outros: é mais clara a remissão para a realidade extralinguística de substantivos concretos, do que a de substantivos abstractos. |
1. A inovação lexical: como e porquê ------------------------------------------------------------------- ____________--7
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