TLEBS |
Pergunta: No contexto a seguir, "cuja" é um quantificador relativo? “Um acidente de percurso, película à imagem do livro com o mesmo título do ex-ministro das obras públicas de Inglaterra (e cuja tradução portuguesa será publicada em Portugal, em Dezembro, pela editora Esperança)” |
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Resposta: Na TLEBS, os quantificadores relativos são: quanto(s), quanta(s); cujo(s), cuja(s). Introduzem frases (orações) subordinadas relativas. Ex.: Comprei [quantos livros quis]. Comprei um livro, [cujo título agora não recordo], muito útil para os alunos. |
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Resumo da reflexão/discussão: 1. As propriedades quantificacionais não são inerentes a cujo mas esta palavra participa de algumas construções partitivas, aproximando-se de construções com valor quantificacional.
2. Cujo pode ser classificado como determinante relativo. Esta classificação dá conta do seu funcionamento como especificador do nome, dada a sua ocorrência pré-nominal.
3. Cujo pode ser classificado como pronome relativo, na medida em que tem sempre um nome como antecedente. No entanto, cujo substitui, não um grupo nominal, mas um grupo preposicional (tipicamente introduzido por "de"), o que lhe advém do étimo latino, enquanto forma de genitivo do relativo latino qui, quae, quod.
Conclusão : Cujo é uma palavra essencialmente híbrida. Tem propriedades de pronome relativo e propriedades de determinante. Em certos contextos, como no ex. acima, pode ter força quantificacional. Do ponto de vista didáctico, parece essencial ensiná-lo a par dos pronomes relativos para mostrar a diferença entre estes e cujo, em termos de funcionamento e de uso. Este percurso pode ajudar a resolver os problemas de concordância que cujo levanta. Sendo frequente o erro cujo o, é importante mostrar que esta palavra é, ao mesmo tempo, pronome relativo(à esquerda) e determinante do nome que precede(à direita). Nota: E importante mostrar, no ensino do francês, que dont tem, geralmente, um comportamento mais próximo de de que do que de cujo . |
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Revista Palavras, Nº 21/Primavera de 2007: excerto da entrevista a Inês Duarte. |
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Bechara, E. (1999). Moderna Gramática Portuguesa (37ª ed. revista e ampliada). Rio de Janeiro: Lucerna, p. 202. Pronome relativo Cujo, como pronome relativo, traduz a ideia de posse, com o valor de dele (dela), do qual (da qual). O proprietário cuja casa aluguei (a casa do qual aluguei). Para o emprego correto de cujo, (…) convém atentar para as três seguintes construções viciosas: a) em vez de cujo, empregar um relativo ( que, quem ) precedido da preposição de para referir-se à ideia de posse: Não posso trabalhar com uma pessoa de quem discordo dos métodos. Dever-se-á construir: Não posso trabalhar com uma pessoa de cujos métodos discordo (do método dela , do método da qual ). b) também não é para imitar o emprego de cujo ( e flexões) significando o qual ( e flexões). Os exemplos que dele se nos deparam na pena de um bom conhecedor do idioma como Filinto Elísio se devem explicar como uma iniciativa do idioleto do escritor, mas que não ganhou foros de cidade: O livro cujo eu comprei ontem é excelente. c) empregar artigo definido depois de cujo: O pai cujos os filhos estudam aqui. |
Cintra, L. & Cunha, C. (1984). Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa: Sá da Costa, p.345, 350. Função sintáctica dos pronomes relativos: Adjunto adnominal [cuja= adjunto adnominal de aversão e desprezo, mas em concordância apenas com o primeiro substantivo, o mais próximo]. Valores e empregos dos relativos Cujo Cujo é, a um tempo, relativo e possessivo, equivalente pelo sentido a do qual , de quem , de que. Emprega-se apenas como pronome adjectivo e concorda com a coisa possuída em género e número: Convento d'águas do Mar, ó verde Convento, Cuja Abadessa secular é a Lua E cujo Padre-capelão é o Vento… (António Nobre, S , 28.) Herculano é para mim, nas letras, depois de Camões, a figura em cujo espírito e em cuja obra sinto com plenitude o génio heróico de Portugal. (Gilberto Amado, TL , 36. ) |
Revista Palavras, Nº 31/Primavera de 2007: excerto da entrevista a Inês Duarte, realizada em 29 de Dezembro de 2006. | |
P.: Nas classes de palavras, ‘cujo’ tem levantado muitas questões em relação à sua classificação como ‘quantificador relativo’. Está a ser considerada a revisão desta classificação? |
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I.D.: Estamos a falar outra vez da base de dados, não estamos a falar da terminologia e é preciso fazer a distinção entre estes dois instrumentos. A etiqueta ‘quantificar relativo’ é uma etiqueta que não foi fácil escolher. Há palavras relativas que co-ocorrem com nomes, razão pela qual não se podem denominar pronomes. É o que acontece com 'quantos', em expressões como 'Ele lê quantos livros lhe oferecem.' Não se lhe deve chamar pronome, porque co-ocorre com um nome. Uma característica de todos os constituintes relativos é a de serem atraídos para o início da frase, deixando uma posição vazia na posição em que são interpretados. As propriedades destas estruturas têm, desde a década de 70, sido aproximadas das propriedades das estruturas quantificacionais, estudadas no cálculo de predicados de primeira ordem. Um termo técnico que utilizamos quando nos referimos a palavras relativas como 'quantos', no exemplo que acabei de dar, ou a palavras interrogativas como 'que', em frases como "Que filme vais ver?", é especificador relativo ou interrogativo. Não introduzimos este termo, por várias razões, mas precisávamos de dar um nome a estas formas. Assim, propusemos o termo de quantificador. E, dada esta opção, 'cujo' entra na classe dos quantificadores relativos. É claro que a forma "cujo" tem uma história muito complicada, um comportamento singular, razão pela qual a usamos tão pouco. |
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P.: Isso quer dizer que está a pensar rever essa classificação? |
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I.D.: Não sei qual vai ser a decisão da equipa que está a fazer a revisão. De qualquer modo, acho que precisamos de distinguir a classificação de formas que têm aquilo a que podemos chamar o comportamento prototípico de uma dada categoria e as formas com comportamentos qmuito afastados dos prototípicos e relativamente aos quais é sempre complicado tomar decisões. Há momentos em que é preciso tomar decisões muito complicadas, que podem não ser as melhores. Eu estou sempre completamente aberta a considerar melhores alternativas, mas neste, como noutros casos, há várias opções possíveis. |
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P.: Nesse caso, em situações complicadas com várias respostas possíveis, como é que fazem a escolha, a equipa opta pela classificação mais consensual? |
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I.D.: Depende do que se considerar consensual. Se consensual quer dizer aquilo que a tradição dizia, então ‘cujo’ é um pronome relativo, mas aí o que temos é uma etiqueta que não tem em conta a diferença entre uma forma como ‘quem’ e uma forma como ‘cujo’, certo? |
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P.: Portanto optam por uma classificação que acaba por ser mais satisfatória em termos de dar resposta a um maior número de casos? |
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I.D.: Eu penso que é opção por ser tão geral quanto possível e com o mínimo de etiquetas possível. Como não introduzimos a etiqueta 'especificador', restavam duas possibilidades para a classificação de formas como "cujo". Chamar-lhes um determinante relativo, o que as afastaria da família que desencadeia uma estrutura sintáctica que tem sido aproximada das estruturas quantificacionais, ou designá-las quantificadores relativos. Uma destas duas coisas tinha de ser feita, mas manter a etiqueta tradicional não faria sentido. |
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