B4. Sintaxe- B6. Semântica

2.2.2.2.2. Utilização irregular de orações interrogativas indirectas

Tipos de orações interrogativas

Os casos que agrupamos nas subsecções seguintes envolvem o uso irregular de um subtipo de orações plenas - as chamadas orações interrogativas indirectas. Estas orações constituem um sub-grupo importante das chamadas orações completivas, isto é, das orações que são argumentos de um dado predicado. Obviamente, nem todos os predicados seleccionam orações interrogativas indirectas como seus argumentos, sendo a possibilidade de o fazerem ou não uma sua propriedade que o dicionário deve registar. Os casos problemáticos que registamos nesta secção envolvem precisamente o uso de orações interrogativas indirectas com predicados que julgamos não serem compatíveis com elas. Antes de analisarmos esses casos, convém caracterizarmos este subtipo de orações. Vejamos um primeiro grupo de exemplos, que vêm sublinhados nas frases que se seguem.
(256) O Luís não sabe quem marcou a data do exame.
(257) O Luís não sabe a pedido de quem foi alterada a data do exame.
(258) O Luís tentou descobrir quais eram os documentos faIsos.
(259) O Luís perguntou onde é que a Ana tinha guardado o seu passaporte.
(260) O Luís não me disse que carro pretendia comprar.
(261) O Luís ainda não averiguou quantos documentos são falsos.

As estruturas sublinhadas são classificadas como orações interrogativas indirectas pronominais (ou, consoante os casos, adverbiais), uma vez que são introduzidas por um constituinte que contém expressões tradicionalmente designadas por pronomes (ou, consoante os casos, advérbios) interrogativos - quem, quais, onde, que e quantos. Quanto ao constituinte que contém o pronome ou advérbio interrogativo, e que designaremos constituinte interrogativo, são do salientar dois factos:

 



(i) do ponto de vista estrutural, que ele pode ser constituído apenas pelo referido pronome ou advérbio - como em (256), (258) a (259) ou conter outros elementos - como em (257), (260) a (261), onde o constituinte interrogativo é, respectivamente, a pedido de quem, que carro e quantos documentos;

(ii) do ponto de vista funcional, que ele pode estar associado a diferentes funções sintácticas - por exemplo, sujeito, em (256), (258) e (261 ), complemento directo, em (260), complemento oblíquo, em (259), e modificador verbal, em (257). Quanto aos pronomes interrogativos, interessa verificar que também lhes estão associadas diferentes funções sintácticas no âmbito das orações interrogativas indirectas: essa função é argumental em (256), (258) e (259), onde, como já dissemos, quem, quais e onde têm a função de sujeito ou complemento oblíquo, consoante os casos; na frase (257), quem está associado à função do complemento do nome pedido; na frase (260), o interrogativo que está associado à função de modificador do nome carro; finalmente, na frase (261), o interrogativo quantos está associado à função de determinante de quantificação do nome documentos.


Nas frases dadas, as orações interrogativas indirectas pronominais estão a funcionar como argumentos, respectivamente, dos predicados verbais saber, descobrir, perguntar, dizer e averiguar. As estruturas interrogativas que não são subordinadas - isto é, que não dependem de um dado predicado - são designadas por orações interrogativas directas. As frases que se seguem são exemplos de orações interrogativas directas pronominais:

 

(262) Quem marcou a data do exame?
(263) A pedido de quem foi alterada a data do exame?
(264) Quais eram os documentos falsos?
(265) Onde é que a Ana guardou o seu passaporte?
(266) Que carro pretendia o Luís comprar?
(267) Quantos documentos são falsos?

Do ponto de vista semântico, um aspecto que caracteriza as orações interrogativas pronominais - directas ou indirectas - e as distingue das orações ditas declarativas e de outro tipo de interrogativas que adiante referiremos - as interrogativas polares - é o facto de elas conterem predicações que podemos classificar como incompletas. Com efeito, os constituintes interrogativos são expressões que não remetem para entidades do real, isto é, que não têm uma denotação própria. Se tomarmos, por exemplo, a frase (259) - o Luís perguntou onde é que a Ana tinha guardado o seu passaporte - ou a frase (265) - onde é que a Ana guardou o seu passaporte? -, é a expressão onde que não dispõe de um referente, o qual só poderia ser identificado per meio de uma realização lexical ou pronominal não interrogativa do argumento Locativo do verbo guardar. É, aliás, este carácter incompleto da predicação que justifica que sejam chamadas "interrogativas" todas as estruturas ocorrentes em (256)-(261) a (262)-(267). De facto, o carácter interrogativo das primeiras é muito diferente do das segundas, uma vez que nestas existe uma interpelação directa do enunciador, que procura obter de um eventual ouvinte a informação em falta, que não se verifica nas primeiras. Do ponto do vista sintáctico, a incompletude da predicação contida nas estruturas interrogativas traduz-se na inexistência de um antecedente para o pronome interrogativo. De facto, ao contrário do que acontece com os pronomes relativos, os pronomes interrogativos são expressões não ligadas.

Dentro da subclasse das interrogativas pronominais, interessa-nos destacar, dada a sua importância para a compreensão de alguns dos casos que serão tratados nesta subsecção, um subtipo que designaremos interrogativas (pronominais) equativas ou de identificação. Trata-se de frases em que o constituinte interrogativo é seguido de uma forma do verbo ser, denotando uma relação de identidade. Encontramos exemplos destas interrogativas em (258) -o Luís tentou descobrir quais eram os documentos falsos - e nas três frases seguintes:

 

(268) O Luís não sabia qual era a data exacta do exame.
(269) O Luís não me disse qual era o carro que pretendia comprar.
(270) O Luís não me disse quais/quem foram as pessoas que convidou para a festa.

No que respeita às interrogativas equativas, interessa-nos ainda chamar a atenção para a possibilidade de o verbo ser - e eventualmente também o pronome interrogativo - ser omitido. As estruturas resultantes desta omissão, que designaremos orações interrogativas (pronominais equativas) reduzidas (ou elípticas) - e que são na verdade argumentos oracionais -, não devem ser confundidas com sintagmas nominais, de que superficialmente podem assumir a forma. Comparem-se os membros dos pares seguintes, que são versões reduzidas ou elípticas de (268), (269) a (270). Nos primeiros membros, é omitido o verbo ser e o pronome interrogativo - pelo que o complemento interrogativo assume a forma de um sintagma nominal - e, nos segundos, apenas é omitido o verbo (possibilidade que só parece existir quando o pronome interrogativo é qual).

 

(271) U Luís não sabia a data exacta do exame.
(272) 0 Luís não sabia qual a data exacta do exame.

(273) O Luís não me disse o carro que pretendia comprar.
(274) O Luís não me disse qual o carro que pretendia comprar.

(275) O Luís não me disse as pessoas que convidou para a festa.
(276) O Luís não me disse quais/quem as pessoas que convidou para a festa.

Interessa ainda salientar que os constituintes interrogativos das interrogativas equativas são geralmente não preposicionados, restrição que não se aplica às interrogativas não equativas. Isto mesmo se pode ver nos exemplos seguintes, o primeiro com uma interrogativa não equativa e o segundo e terceiro com uma interrogativa equativa, onde sublinhamos os constituintes interrogativos:

 

(277) O Paulo não me disse com quem esteve a conversar.

(278) *O Paulo não me disse com quem/com qual foi a pessoa com quem esteve a conversar.
(279) O Paulo não me disse quem/qual foi a pessoa com quem esteve a conversar.

Importa não confundir a função e estrutura da expressão com quem esteve a conversar nas duas frases gramaticais dadas acima. Em (277), esta sequência é uma frase interrogativa indirecta, complemento directo do verbo dizer. Em (279), é uma frase relativa, modificador do nome pessoa, o qual é o núcleo do sintagma nominal e a pessoa com quem esteve a conversar, argumento do verbo ser.
Todas as orações interrogativas de que até agora falámos se integram, como dissemos, na subclasse das orações interrogativas pronominais, em virtude de serem caracterizadas pela presença de um pronome interrogativo. As interrogativas pronominais opõem-se às orações interrogativas polares (também chamadas orações interrogativas de sim/não), as quais não contêm qualquer - pronome interrogativo e com cuja utilização se visa obter informação sobre a verdade ou falsidade de uma asserção, e não sobre a identidade ou as propriedades ou o número de quaisquer objectos do real. Exemplifiquemos as triviais orações interrogativas polares directas:

 

(280) O Paulo foi ao cinema?
(281) Previa-se chuva para amanhã no boletim meteorológico?
(282) Gostas de mim?
(283) A Ana já tinha renovado o seu passaporte?
(284) A data do exame já foi marcada?
(285) O Luís pretende comprar o carro?
(286) Os documentos são falsos?

Quando encaixadas (ou subordinadas), as interrogativas polares são normalmente introduzidas pela expressão se, tradicionalmente classificada, neste tipo de ocorrência, como conjunção integrante. Vejam-se os seguintes exemplos de orações interrogativas polares indirectas, dependentes dos predicados verbais perguntar, saber, dizer e descobrir:

 

(287) O Luís perguntou se a Ana já tinha renovado o seu passaporte.
(288) O Luís não sabe se a data do exame ¡á foi marcada.
(289) O Luís não me disse se pretendia comprar o carro.
(290)O Luís tentou descobrir se os documentos eram falsos.

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PERES,J.A e T. MÓIA. (1995). Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Ed. Caminho, Lisboa, (pp.88-93).